quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Fim da polêmica dos ratos com tumores: A EFSA publicou hoje (28 de novembro de 2012) a revisão final do artigo de Séralini e cols.


Em 19 de setembro de 2012, Séralini et al. publicaram online na revista científica Food  and Chemical Toxicology um artigo onde descrevem um estudo de alimentação de 2 anos em ratos investigando os efeitos na saúde da alimentação com  dieta de milho geneticamente modificado NK603 com e sem Roundup ® WeatherMAX  ou apenas com dieta adicionada de Roundup ® GT (ambos são pesticidas contendo glifosato). Conforme solicitado pela Comissão Europeia, a EFSA analisou esta publicação tendo em consideração as avaliações conduzidas pelos Estados-Membros e esclarecimentos dados pelos autores a críticas. As avaliações dos Estados-Membros e da EFSA foram essencialmente coincidentes. O estudo como relatado por Séralini et al. foi inadequadamente concebido, analisado ​​e relatado. Os autores do estudo forneceram uma quantidade muito limitada de informações adicionais relevantes em sua resposta às críticas publicadas na revista Food  and Chemical Toxicology. Levando em  consideração as avaliações dos Estados Membros e a resposta dos autores às críticas, a EFSA chega a conclusões semelhantes àquelas de sua primeira avaliação (EFSA, 2012). O estudo, como descrito por Séralini et al. não permite ponderar seus resultados  e não apoia as conclusões publicadas. Conclusões não podem ser extraídas da diferença na incidência de tumores entre os grupos de tratamento com base no desenho, na análise e nos resultados relatados. Levando em  consideração as avaliações dos Estados Membros e a resposta dos autores às críticas, a EFSA considera que o estudo como relatado por Séralini et al. é de qualidade científica insuficiente para avaliações de segurança. A EFSA conclui que as evidências atualmente disponíveis não impactam o andamento da reavaliação do segurança do glifosato, que está em andamento(na Europa), e não exige a reabertura das avaliações de risco do milho NK603 e dos piramidados relacionados. A avaliação que a EFSA fez do artigo de Séralini e cols. está de acordo com o seu papel precípuo de analisar a produção científica relevante em avaliação de risco, de forma contínua, visando garantir que suas recomendações e opiniões técnicas sejam sempre atualizadas.
A revisão completa pode ser encontrada em

Transgênicos: prós e contras - Perguntas em exposição num quadro sinóptico

(esta postagem tem uma continuação mais recente em Transgênicos: pros e contras num diálogo genérico com o público - http://genpeace.blogspot.com.br/2013/09/transgenicos-pros-e-contras-num-dialogo.html)

Um bom estudo sobre agronegócios foi publicado recentemente online pelo grupo Terra Dourada. Recomendamos a leitura, que inclui aspectos favoráveis e desfavoráveis desta opção agrária (http://pt.scribd.com/doc/114433550/Terra-Dourada). Lá pelo fim do estudo há uma figura que nos chamou a atenção, porque resume de forma eficiente os argumentos que circulam publicamente a favor e contra as plantas transgênicas. A figura está abaixo.




Como o objetivo central de nosso blog é a discussão dos aspectos de biossegurança, sem dúvida a listagem de prós- e contras acima ultrapassa muito nosso ambiente regular. Ainda assim, aventuramos algumas opiniões, usando a metodologia de avaliação de risco adotada no estudo do impacto dos OGMs no ambiente e na saúde. Lembramos ao leitor que esta metodologia sempre compara os transgênicos aos não-transgênicos, procurando encontrar diferenças que impliquem em riscos. Neste caso, vamos proceder de forma idêntica, mas não vamos visar o risco e sim a afirmação mesma contida em cada item da figura acima.

PRÓS

1)    Expansão do conhecimento científico
Na agricultura moderna o melhoramento genético foi expandido pela transgenia. Isso só foi possível graças ao avanço científico e ao estabelecimento de novas técnicas e esta fronteira continua a se desenvolver rapidamente. Sem os transgênicos esta área do conhecimento científico certamente teria visto um avanço muito menor. Esta é a regra: toda vez que uma área do conhecimento dá suporte a aplicações comerciais, ela tende a se desenvolver muito, e de forma muito rápida. Confirmamos, portanto, a assertiva do item.

2)    Sementes com qualidade nutritiva aumentada
Embora já existam plantas transgênicas com qualidades nutritivas melhoradas, a imensa maioria delas não traz nada de novo ao nosso organismo porque não foi desenvolvida para isso. Esta afirmação, contudo, poderá vir a se tornar uma realidade em breve. Portanto, confirmamos apenas parcialmente a assertiva.

3)    Aumento e melhoria na produtividade  (chamemos isso de aumento de lucro) pelo aumento da resistência a pragas e doenças
No campo quase sempre há uma pressão das pragas, que reduz a produtividade e os lucros do agricultor. Até bem pouco tempo ele só contava com variedades melhoradas de forma convencional e com praguicidas para o controle de insetos, ervas daninhas e outras pragas. Aos poucos os transgênicos foram se impondo como tecnologia complementar muito importante e, em alguns casos (como a resistência a certos insetos), terminaram sendo a tecnologia principal (mas, de forma alguma, a única: o manejo de pragas deve sempre ser integrado). Também na questão do manejo das ervas daninhas, um problema central da agricultura, os transgênicos têm contribuído de forma importante, reduzindo gastos com máquinas e pessoal e trocando herbicidas perigosos por herbicidas de classe de risco mais baixa (como o glifosato e o glufosinato de amônio). Então, se entendermos produtividade como o balanço de gastos e ganhos (lucro) por hectare, não há dúvida que os transgênicos têm se mostrado valiosos. Não importa quanto esperneiem os que se opõem à tecnologia: a taxa de adoção mostra a excelência da tecnologia, e o agricultor brasileiro está muito longe de ser bobo. Confirmamos, portanto, a assertiva do item, ao menos em relação aos insetos. Há poucas plantas já no mercado com resistência a doenças conferida por transgenia, mas as que já foram aprovadas parecem muito eficientes.

4)    Redução de custos
Este item é um corolário do anterior. Embora muitos argumentem que as sementes GM são mais caras que as convencionais ou as de paiol, é evidente que o preço da semente é apenas um pequeno item no custo global. Novamente, a taxa de adoção dos transgênicos mostra o quanto esta redução de custos é expressiva. Assim, nós também  confirmamos a assertiva deste item.

5)    Utilização de tecnologias que permitem um uso mais eficiente do solo, como o plantio direto, evitando a erosão
O plantio direto é possível sem o uso de plantas transgênicas, mas sem dúvida é muito facilitado se as plantas resistirem a um determinado herbicida (ou a vários), comportamento este alcançado pela transgenia. Todos sabemos das vantagens do plantio direto, sendo a redução de erosão uma delas. Mas ele também tem algumas desvantagens, como a compactação do solo. As desvantagens são, contudo, muito inferiores às vantagens, e daí decorre sua crescente adoção. Portanto, nós também  confirmamos a assertiva deste item.

6)    Fora dos itens da figura acima, nós ainda poderíamos dizer que o uso de plantas transgênicas na agricultura reduz o uso de inseticidas e permite a substituição de herbicidas mais perigosos por herbicidas de grupos toxicológicos menos agressivos ao ambiente e à saúde. No futuro permitirá o uso de terras hoje impróprias para agricultura, reduzirá a dependência de água, aumentará as qualidades nutricionais ou industriais das plantas e por aí vai.


CONTRAS

1)    Ignora os agrossistemas sustentáveis e os possíveis efeitos de seu uso no ambiente
Aqui há duas afirmações independentes. Vamos por parte.
Na primeira afirmação diz-se que quem emprega transgênicos ignora os agrossistemas sustentáveis. Ora, uma tecnologia, uma vez adotada, substitui a outra. Não é questão de ignorá-la, mas de não empregá-la. Assim, se opto por transportar minha carga por caminhão, não ignoro que seria mais sustentável fazê-lo por hidro- ou ferrovias, mas se viso o lucro (como qualquer agricultor também visa), devo pesar as vantagens e benefícios de cada tecnologia. A adoção da tecnologia GM no campo, e não de sistemas agroecológicos ou outros alternativos, não se dá por desconhecimento destes, mas por decisão técnica e comercial. Aliás, como empregamos sempre uma abordagem comparativa, podemos afirmar que, antes dos transgênicos, o agronegócio brasileiro já tinha optado por um sistema de agricultura intensiva.
Na segunda afirmativa, diz-se que os que adotam os transgênicos ignoram seus possíveis efeitos no meio ambiente. A palavra “ignorar” em português pode significar o efetivo desconhecimento ou o proposital descarte de uma determinada informação. Neste caso, o agricultor nem desconhece nem descarta os possíveis efeitos dos OGM no ambiente. Entretanto, ele segue o que o Ministério da Agricultura instrui e o que dizem os órgãos oficiais, já que ele é um agricultor, e não um avaliador de riscos nem um especialista em variedades GM e não GM. A CTNBio avalia os riscos e até agora nunca encontrou uma planta GM que apresentasse riscos distintos de sua contrapartida convencional para o ambiente e para a saúde (com exceção para o algodão GM e um possível fluxo gênico para Gossypium mustelinum). O Ministério da Agricultura, pelo seu lado,avalia as variedades transgênicas quanto aos aspectos de produtividade e as aprova. Portanto, não tem cabimento dizer que há uma ignorância sobre os possíveis efeitos dos transgênicos no ambiente (e na saúde). Assim, rejeitamos as duas assertivas deste item.

2)      Só atende a grandes produtores
Esta afirmação é inteiramente inverídica: a taxa de adoção de variedades transgênicas entre os pequenos agricultores tem crescido muito e mesmo em regiões fora dos grandes centros produtores, como no Nordeste, muitas lavouras pequenas já estão semeadas com milho GM. Claro está que as restrições de uso para garantir a coexistência inviabilizam o uso de certos transgênicos em lavouras muito pequenas (menores que 10 hectares). Rejeitamos, portanto, esta assertiva.

3)    Aumento dos casos de alergias
Todas as plantas transgênicas até agora no mercado produzem, além de suas proteínas normais, apenas uma ou poucas outras, codificadas pelos transgenes. Nunca houve qualquer evidência de que estas proteínas fossem alergênicas nem que soja, milho, trigo, canola, beterraba ou qualquer outra planta transgênica produzisse mais alergias que suas contrapartidas não GM. Para qualquer alimento que se escolha, largamente consumido pela população, há um batalhão de gente alérgica a ele. Mas a transgenia não mudou um dígito destes números, sendo esta afirmação apenas mais uma lenda urbana. Rejeitamos, portanto, a assertiva.

4)    Insetos mais resistentes
Toda vez que o homem cria um inseticida ou uma forma qualquer de combate aos insetos, depois de algum tempo, e dependendo do manejo da tecnologia, surgirão insetos resistentes. O mesmo se passa com as plantas transgênicas, mas o uso de plantas “piramidadas”, isto é, com vários transgenes que permitem a expressão de várias diferentes proteínas inseticidas, certamente retardará em muito o aparecimento de insetos resistentes. Contudo, é principalmente o adequado manejo integrado de pragas que garantirá a permanência da tecnologia em campo, como sempre ocorreu. Nada há diferente aqui do que já sabemos e somos obrigados a rejeitar esta assertiva também.

5)    Perda de biodiversidade e erosão genética
Só há duas formas das plantas transgênicas interagirem de forma danosa com elementos importantes de nossa biodiversidade: ou matam organismos que frequentam as plantações GM ou transmitem seus genes para alvos de proteção (organismos valiosos de nossa biodiversidade), supondo neste caso que a presença do transgene cause algum tipo de dano às populações de plantas silvestres que leve a uma erosão genética ou a outro impacto populacional importante. Não existe uma forma “genérica” de causar danos à biodiversidade.

Ora, os organismos que frequentam as plantações GM e que poderiam ser afetados por elas de forma diferente daqueles observados devido à presença das mesmas plantas não GM são apenas os que podem ser mortos em grande número por algum componente novo da planta GM. As únicas plantas trnasgênicas até hoje no mercado que podem matar organismos são aquelas que expressam toxinas Bt, proteínas inseticidas amplamente encontradas na natureza e que já são empregadas na agricultura (inclusive a orgânica) na forma de esporos de Bacillus thuringiensis há quase 50 anos! E os organismos que podem ser afetados são apenas insetos. Mesmo entre os insetos, apenas os das ordens-alvo (Lepidoptera ou Coleoptera) são susceptíveis à toxina. Os demais não se mostram susceptíveis em laboratório ou são afetados apenas em doses muito elevadas da toxina. Não há qualquer evidência de que as toxinas Bt estejam afetando populações não-alvo de insetos. E muito menos a de outros artrópodos ou de outros seres vivos. Além disso, e avaliando a questão do ponto de vista comparativo, na agricultura intensiva convencional uma grande quantidade de inseticidas é empregada, que mata todo e qualquer inseto, seja ele benéfico (joaninhas, tesourinhas, etc.) ou não. Conclui-se, portanto, que as plantas transgênicas não afetam a biodiversidade de forma mais acentuada que as convencionais: ao contrário, elas provavelmente afetam menos os ecossistemas que as convencionais, cultivadas da mesma forma.

Quanto ao fluxo de genes e seu possível dano à flora silvestre, é preciso entender que nem as plantas de soja, nem o milho e nem o feijão têm parentes silvestres sexualmente compatíveis com elas. Por isso, a probabilidade de transferência e fixação de um transgene destas espécies para plantas de nossa flora é nula. Pode haver, contudo, transferência para variedades crioulas de milho, que estão de toda forma continuamente recebendo alelos (variedades de genes) melhorados das variedades híbridas comerciais. Num país onde o milho crioulo representa uma parcela ínfima do milho cultivado, é evidente que a estratégia para a preservação dos germoplasmas (os genomas das plantas) não está no campo e sim nos bancos de germoplasmas, que existem aqui como em outros países. Ainda assim, não há relato de perda de variedades crioulas nos últimos anos, provocada pela presença maciça de milhos melhorados (híbridos ou não) ou pela presença de transgenes. Conclui-se aqui também que não há danos à agrobiodiversidade (do milho, neste caso).

Apenas no caso do algodão transgênico pode haver fluxo gênico entre a variedade comercial (G. hirsutum) e G. mustelinum, um algodão silvestre encontrado no Brasil. Entretanto, há atualmente uma zona de exclusão de plantio de algodão transgênico nas poucas áreas onde o G. mustelinum pode ser encontrado, portanto, também neste caso, nãos se esperam danos à biodiversidade desta espécie nativa.

6)    Surgimento de “super ervas daninhas”
Na agricultura que emprega pesticidas, sempre pode haver o surgimento de insetos ou ervas daninhas resistentes aos agentes químicos empregados no seu combate. No caso das plantas transgênicas, são essencialmente dois princípios ativos os mais empregados: glifosato e glufosinato de amônia. Entretanto, caso surjam ervas daninhas resistentes a estes produtos, isto nada tem a ver com o transgene das plantas (que não é transmitido às ervas daninhas) e sim com a seleção de mutantes espontâneos resistentes aos herbicidas. O correto manejo integrado de pragas deve permitir um longo tempo de uso da tecnologia dos transgênicos, assim como vem permitindo o uso de pesticidas no mundo todo, por muitos anos a fio. A ideia de uma super erva daninha é mais uma lenda urbana, desprovida de qualquer sentido.

7)    Domínio das sementes por multinacionais e insegurança alimentar da nação
Da mesma forma que acrescentamos uma assertiva favorável aos transgênicos, adicionamos aqui uma assertiva comum levantada contra as plantas GM. Aqui há duas afirmações que se complementam, ao menos na ótica de quem as propõe. Vamos outra vez por partes.

Na primeira parte desta assertiva, imagina-se que as grandes empresas transnacionais que detêm a tecnologia das plantas GM terão o agricultor brasileiro pelo cabresto e, consequentemente, o país todo. Há duas inverdades aqui:
a)       A tecnologia GM não é exclusiva das transnacionais e está interiorizada no Brasil. Se não temos uma porção de produtos “made in Brazil”, como o feijão, a culpa exclusiva é do regulatório absurdamente caro que se montou neste país.
b)       Além disso, se houver qualquer ameaça à soberania alimentar do país (cujo conceito discutiremos mais abaixo), o Governo pode simplesmente quebrar as patentes e desenvolveremos novas variedades a partir destas que estão no mercado. É evidente que isso não é esperado, nem desejado, uma vez que o respeito aos direitos dos inventores é a base para que nossa própria tecnologia possa se desenvolver no futuro.

Na segunda parte da assertiva, afirma-se que haverá insegurança alimentar. Muito bem, o que é isso? Cada leitor imagina seu conceito de segurança alimentar, um ponto realmente importante de consideração quando se pensa uma nação. Mas é preciso haver um denominador comum para a discussão. Pela necessidade de discutir este conceito, esta parte da nossa postagem está consideravelmente expandida.

O conceito mais limpo de adições ideológicas para segurança alimentar e nutricional diz: Todos devem ter acesso a quantidade suficiente de alimento e este deve ser de boa qualidade. Adições subsequentes definem quem deve garantir o fornecimento do alimento e o que se entende por qualidade. Ainda outras considerações são feitas sobre a forma como o alimento deve ser produzido (sustentabilidade do sistema de produção) e que dieta é a adequada para o brasileiro. Aí entram as ideologias, em geral conflitantes.

Um conceito mais elaborado, já adicionado de algumas considerações sócio-econômicas diversas, segue abaixo:
“Segurança Alimentar e Nutricional é a garantia do direito de todos ao acesso a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente e de modo permanente, com base em práticas alimentares saudáveis e respeitando as características culturais de cada  povo, manifestadas no ato de se alimentar. Esta condição não pode comprometer o  acesso a outras necessidades essenciais, nem sequer o sistema alimentar futuro, devendo se realizar em bases sustentáveis. É responsabilidade dos estados nacionais assegurarem este direito e devem fazê-lo em obrigatória articulação com a sociedade civil, dentro das formas possíveis para exercê-lo.” (Caderno ‘Segurança Alimentar’. Renato S. Maluf (CPDA/UFRRJ, Brasil), Francisco Menezes (IBASE, Brasil); Com a colaboração de Susana Bleil Marques (Partes 12-13))

Este conceito está em grande parte espelhado na “Lei de Segurança Alimentar e Nutricional”. Segundo a LEI Nº 11.346, DE 15 DE SETEMBRO DE 2006., artigo 3º.,
“a segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”.  

Adicionalmente, no seu artigo 4º., a mesma lei afirma: a segurança alimentar e nutricional abrange:
I – a ampliação das condições de acesso aos alimentos por meio da produção, em especial da agricultura tradicional e familiar (o grifo é nosso), do processamento, da industrialização, da comercialização, incluindo-se os acordos internacionais, do abastecimento e da distribuição dos alimentos, incluindo-se a água, bem como da geração de emprego e da redistribuição da renda (o grifo é nosso);
II – a conservação da biodiversidade e a utilização sustentável dos recursos; (o grifo é nosso)
Etc.

Pela leitura das duas definições, é evidente que uma parte do Governo e da sociedade brasileira inclui na segurança alimentar a forma de produzir os alimentos e toma um partido muito claro: ele deve ser produzido preferencialmente pela agricultura familiar, de forma “sustentável”, isto é, evitando-se a agricultura intensiva, com uso de fertilizantes, pesticidas e sementes melhoradas. De onde vem este viés? Primeiro, pelo fato de que a agricultura familiar e a pequena agricultura levam diariamente à mesa dos brasileiros uma grande variedade de alimentos e empregam uma grande massa de trabalhadores. Isto é certo. Mas não é menos certo que o agronegócio também tem sua contribuição importante, sobretudo através dos alimentos processados, que comemos todos os dias: cuscuz, canjica, polenta, pipoca, óleo, margarina, arroz, trigo, feijão, cebola, laranja, açúcar e um mundo de outros produtos, in natura ou processados. Assim, não é verdade que o brasileiro seja alimentado apenas pelo pequeno agricultor: ele depende dos dois para sua refeição diária e para que a possa adquirir a preços razoáveis. Por isso, a segurança alimentar e nutricional deve procurar o fortalecimento das duas cadeias produtivas e não demonizar a agricultura moderna como mãe de todos os males nutricionais e ambientais. Uma posição pragmática, e não ideológica, deveria nortear a política de segurança alimentar e nutricional do Brasil, coisa que não se alcançará tão cedo.

Em tempo: a retirada de apoio ao agronegócio e a criação de obstáculos ao seu desenvolvimento, aliadas a um forte apoio à agricultura familiar pode, num primeiro momento, fomentar a redistribuição de terras e a uma melhor distribuição de renda no campo, mas terá consequências danosas ao resto da sociedade, uma vez que em torno do agronegócio orbita a economia de centenas de municípios brasileiros que, numa perspectiva de domínio da pequena agricultura, nunca atingirá a produtividade necessária ao ingresso na cadeia da agroindústria. O leitor poderia se perguntar: e daí? Quem se importa com ela? Acontece que a agroindústria distribui os lucros advindos de seus produtos numa extensa e complexa cadeia, pois os produtos industrializados movimentam um grande número de diferentes setores, ao contrário daqueles consumidos in natura. O sucateamento deste setor da economia, em nome de um combate às multinacionais e de uma pretensa conservação do ambiente, seria um imenso prejuízo para nosso país. Isso não quer dizer que não se coloque freios à expansão das fronteiras agrícolas e ao mau uso das terras, seja pelo agronegócio, seja pelo  pecuarista ou agricultor individual, que é coisa certa de ser perseguida.

A questão da sustentabilidade é também entendida pelo legislador como importante no contexto da segurança alimentar, embora seja alvo de leis específicas e de toda uma política de governo, muito mais abrangente que a questão da segurança alimentar. Pela leitura dos textos legais o viés claro é que a pequena agricultura familiar e mais sustentável do que o agronegócio. É evidente que uma pequena lavoura conduzida de forma tradicional impacta muito menos o ambiente que uma grande plantação intensiva. Aqui temos um caso típico de comparação entre coisas desiguais: se o tamanho da lavoura tradicional fosse compatível com os níveis de produção que o país precisa, a figura seria totalmente diferente. A sustentabilidade envolve uma série de parâmetros distintos, quase todos ligados aos ecossistemas, mas não se pode desprezar a produtividade do sistema por hectare, que ao final é o que move a agroindústria. Diz-se com frequência que a pequena agricultura familiar é tão ou mais produtiva que o agronegócio, mas não há dados abrangentes que provem isso e o mercado aponta na direção exatamente contrária.

E, finalmente, porque a segurança alimentar ficaria comprometida com os transgênicos? A primeira linha de argumentação diz respeito à produção, que envolve royalties e outras formas de dependência derivadas do uso das sementes GM. Mas isso já ocorria em grande parte com as sementes não GM. De toda forma, o agricultor pode sempre plantas suas próprias sementes e o Governo pode até mesmo quebrar patentes, como comentado antes, caso o mercado se descontrole e coloque em risco a alimentação do brasileiro. A segunda linha de argumentação diz respeito à qualidade dos produtos que chegam à mesa do brasileiro: os derivados da agricultura familiar seriam melhores, e os da agroindústria tóxicos e perigosos. Infelizmente, ocorre o contrário: num estudo feito pela ANVISA, resíduos de agrotóxicos acima dos níveis permitidos pela legislação ou ainda de agrotóxicos proibidos para a cultura examinada foram encontrados em produtos oriundos da agricultura familiar em porcentagem muito significativa. Já nos derivados do agronegócio não há um único relato. As razões disso estão discutidas em outra postagem nossa (http://genpeace.blogspot.com.br/2012/02/agrotoxicos-e-transgenicos-no-brasil.html). Por outro lado, o valor nutricional dos alimentos formulados com grãos transgênicos é idêntico ao obtido com grãos não transgênicos; no futuro, poderá ser até melhor, com menos componentes nocivos e mais proteínas e vitaminas benéficas.

Assim, somo forçados e descartar esta afirmação também.


CONCLUSÃO

As assertivas acima refletem em grande parte o que o público, através de consultas a fontes de fácil acesso, imagina das plantas transgênicas e de seus usos. Há muitas outras crenças, algumas baseadas em ciência, a maioria fruto de pura especulação, que não estão comentadas aqui. Uma listagem completa, devidamente comentada, poderia ser bastante útil ao leitor, mas convenhamos: todo dia novas bobagens são adicionadas pela turma que, sem ter o que fazer de melhor, mete o pau na tecnologia GM, demonizando algo que pode ser útil à humanidade. Isso não quer dizer que as críticas não devam ser feitas, mas que elas devem estar baseadas em princípios científicos claros, e não em “achismos” e “disse-me-disse” twittês ou internetês.

sábado, 24 de novembro de 2012

Quem libera os transgênicos: CTNBio avalia, mas decisão pode ser questionada pelo Conselho Nacional de Biossegurança e liberação depende do MAPA e da ANVISA


É fácil encontrar na internet, nos sites contrários aos transgênicos e em muitos outros que reproduzem suas notícias e comentários como papagaios, a afirmação inverídica de que a CTNBio concentra excessivo poder na decisão de liberação comercial de transgênicos. Esta falsa ideia chegou até a Câmara dos Deputados e recentemente o deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), relator da subcomissão especial, afirmou que vai propor alterações na Lei de Biossegurança em seu relatório final, que deverá ser concluído até o dia 10 de dezembro (http://www.embrapa.br/embrapa/imprensa/noticias/2012/novembro/3a-semana/audiencia-publica-na-camara-discutiu-legislacoes-de-biosseguranca-e-agrotoxicos ).

No sentido de contribuir para uma discussão proveitosa, baseada em fatos, e não em impressões e “achismos”, redigimos esta postagem. Nela está sumarizado o sistema de biossegurança de transgênicos do Brasil, amparado pela lei 11.105, de 2005, seu decreto, resoluções normativas da CTNBio e resoluções do CNBS (Conselho Nacional de Biossegurança).

Primeiramente, o interessado numa discussão fundamentada da questão dos transgênicos deve entender que a liberação comercial de qualquer produto deve ser solicitada à CTNBio (Comissão Nacional de Biossegurança), um órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (www.ctnbio.gov.br). A CTNBio é responsável pela avaliação dos riscos que o OGM (organismo geneticamente modificado) poderia apresentar ao ambiente, à saúde humana e à saúde animal. Para tal a CTNBio conta com um forte corpo técnico e com mais de 50 membros, selecionados em sua maioria entre especialistas universitários e de institutos de pesquisa agronômica. A CTNBio também pode consultar especialistas ad hoc.   A avaliação dos riscos é um trabalho técnico que envolve apenas os aspectos biológicos do OGM. Nela NÂO ENTRAM considerações socio-econômicas, sejam elas favoráveis ou desfavoráveis ao OGM em análise.

Os prejuízos e vantagens dos OGMs na economia, na cultura, na religião e na sociedade, em geral, são parte da análise de risco, mais abrangente. Os três componentes da análise de risco estão representados diagramaticamente na figura abaixo:


Figura 1: Análise dos riscos, um processo ordenado, que envolve uma parte baseada exclusivamente em ciência (a avaliação dos riscos) e duas outras que incorporam outros elementos de análise, como considerações sócio-econômicas (a gestão de riscos e a comunicação de riscos). O avaliador dos riscos só se atém às questões científicas de biossegurança do produto, enquanto o analista dos riscos deve também levar em consideração a adequação econômica e outros aspectos inerentes à comercialização  do produto.

A quem cabem as demais partes da análise dos riscos? A quem não cabe alguma tarefa? Antes de discutir a quem cabem as demais etapas da análise de risco, convém olhar a Figura 2 a seguir. Observe-se a clara separação entre a avaliação de riscos, a gestão de riscos e a comunicação de riscos. A CTNBio é a única instituição envolvida na avaliação de riscos. Todas as demais etapas têm vários atores ou protagonistas, inclusive a CTNBio, como se verá a seguir.



Figura 2: Separação dos atores responsáveis pelas várias etapas da análise dos riscos, dentro do fluxograma de liberação e monitoramento de um produto geneticamente modificado. As etapas se iniciam pelo pedido de liberação comercial do OGM, feito à CTNBio (1), que fará a avaliação dos riscos. Uma vez feita uma decisão, ela é comunicada ao CNBS (2), que completará a análise dos riscos, incorporando informações advindas de outros atores/setores da sociedade. A CTNBio, através de vários canais (3), comunica sua decisão à sociedade e aos órgãos de fiscalização e controle (etapa de comunicação dos riscos), que por sua vez se empenha na gestão dos riscos e na sua ampla comunicação. Vários setores da sociedade dão o feed-back (4) para uma reavaliação do produto, quando necessária.

Primeiramente deve ficar claro que, pela legislação brasileira, a ninguém mais cabe fazer a avaliação de riscos, exceto à CTNBio. As demais instituições não têm o corpo técnico-científico adequado. De  fato, embora a ANVISA e outros órgãos do Ministério da Saúde possam opinar sobre segurança alimentar, eles não detêm o conhecimento necessário na área ambiental. Da mesma forma, o IBAMA e outros órgãos do MMA podem discutir aspectos de biossegurança ambiental, mas não têm a expertise para fazer a avaliação de risco em saúde humana e animal, da mesma forma que o Ministério da Agricultura ou o MDA. De toda forma, eles estão representados na CTNBio, que tem muitos outros membros com expertise em segurança alimentar ou ambiental. Para concluir, uma decisão sobre segurança ambiental ou em saúde de um OGM, feita pela CTNBio, só pode ser questionada pelo IBAMA ou pela ANVISA, em suas áreas específicas de expertise, através de recurso ao CNBS.

É justamente esta decisão soberana sobre um aspecto meramente técnico que dá a falsa impressão de que a decisão da CTNBio não pode ser questionada. Além do IBAMA e da ANVISA, só o próprio CNBS pode adicionar um parecer sobre o produto. Na verdade, este procedimento deveria ser rotina, pois incorporaria os demais elementos da análise dos riscos (aspectos sócio-econômicos e outros) à decisão final de comercialização, mas até agora o CNBS não o adotou. Na prática, no caso de uma planta GM, os aspectos sociais e econômicos da nova tecnologia são avaliados pelo MAPA. No caso de outros OGMs, a ANVISA pode incorporar os mesmos aspectos antes de autorizar um produto baseado no OGM, Por fim, o mercado determinará sua adoção em larga escala. Até agora esta “terceirização” da atuação do CNBS tem funcionado bem: os produtos liberados não impactaram negativamente a sociedade brasileira em nenhum aspecto relevante. 

Outro questionamento feito por algumas organizações sociais é a impossibilidade de qualquer organização ou um grupo delas pedir ao CNBS que não aceite a avaliação dos riscos feita pela CTNBio ou que se reúna para considerar outros aspectos envolvidos na comercialização de um OGM. De fato, este mecanismo não existe. Mas a sociedade civil pode apelar para vários ministros e pedir através deles uma reunião do CNBS. Isso pode ser feito de várias formas, mas nunca foi tentado, até onde sabemos. Há uma razão importante para que a lei não tenha previsto este passo: é que o legislador sabiamente entendeu que a avaliação dos riscos é algo essencialmente técnico, complexo, e que exige grande capacitação e uma equipe multidisciplinar de grande competência para que seja adequadamente executada. O CNBS também entende isso e talvez seja esta a razão pela qual não adiciona à avaliação de risco seu próprio parecer e, sim, confia nos três principais atores no processo: A CTNBio, a ANVISA e o MAPA.



Em segundo lugar vem a comunicação de riscos, um processo complexo de troca de informações que envolve um grande número de atores. A comunicação dos riscos começa bem antes da própria avaliação de riscos para a liberação comercial: a empresa informa à sociedade, de várias formas, sobre o produto que está desenvolvendo, avalia mercados, coleta opiniões. Da mesma forma, A CTNBio recolhe opiniões e pareceres, trabalhos científicos e qualquer outra informação que possa contribuir para a avaliação dos riscos. Depois da liberação do produto, vários setores da sociedade continuam contribuindo para o esclarecimento da segurança do produto, comunicando à CTNBio e aos órgãos de fiscalização. A comunicação de riscos é muito importante para subsidiar uma correta gestão dos riscos.

A terceira parte da análise de riscos é justamente a gestão de riscos. Ela não é função da CTNBio, exceto de forma muito marginal. São os órgãos de fiscalização e controle que devem ter o olhar atento aos OGMs comercialmente liberados. À CTNBio cabe apenas o monitoramento de produtos, mesmo assim apenas daqueles que ela assim determine e da forma como for decidido entre ela e a empresa detentora da tecnologia. Parece muito, mas na verdade não é: os produtos até hoje liberados foram considerados tão seguros quanto suas contrapartidas não-GM, o que transforma o monitoramento numa busca sem base científica por efeitos adversos inesperados. Esta busca, salvo comprovação contrária futura, nunca vai indicar dano não previsto. 

Em conclusão, terceirizar ou distribuir a função da CTNBio, que é apenas a avaliação de risco, seria temerário e inadequado: não há nenhuma instituição que possa fazer sozinha o papel da CTNBio; Dividir este trabalho entre a ANVISA, o IBAMA e o MAPA seria criar uma complexidade extra desnecessário, uma vez que estes órgãos estão representados na CTNBio. Esta proposta é apenas uma peça bem montada pela oposição aos transgênicos para tentar criar uma complexidade desnecessária ao processo de avaliação de risco, levando o Brasil ao impasse na adoção desta tecnologia, como ocorre em outros países.