quinta-feira, 23 de julho de 2015

Decisões da CTNBio são impessoais, como a de qualquer outra comissão no Mundo – réplica a Transgênicos e o mito da decisão técnica

As decisões colegiadas são sempre impessoais. Pode não acontecer o mesmo quando um pequeno número de pessoas toma decisões que não têm base técnica. Menos ainda quando a decisão é de um só. Mas ainda assim, se a decisão segue um procedimento estabelecido e aceito por todos, tende a ser igual para qualquer um que avalie a questão.

Ligar as decisões aos membros, sempre transitórios no colegiado da CTNBio, e assim alegar que elas perdem a validade porque tomadas por indivíduos, invalidaria todas as decisões colegiadas no Mundo. É um contrassenso ético e jurídico.

Em texto publicado pelo Estado de São Paulo em 30 de junho de 2015, o Dr. Miniuci discute a personalização das decisões da CTNBio e comoisso termina por levar a decisões individuais arbitrárias, tomadas pelos membros da Comissão.  O texto integral está disponível em http://brasil.estadao.com.br/blogs/direito-e-sociedade/transgenicos-e-o-mito-da-decisao-tecnica/ e aqui ressalto apenas alguns pontos, para não estender demasiadamente a postagem.

O Dr. Miniuce argumenta que, dada a pressão para a adoção da biotecnologia pelo agronegócio, “os principais questionamentos voltam-se para os OGM e suas implicações. Ficam em segundo plano as questões ético-políticas que, se aprofundadas, poderiam levar a uma subversão ou revisão dos valores vigentes. Em vez delas, discutem-se questões pragmáticas, focalizando-se os aspectos técnicos necessários para a realização do modelo, dando ao debate uma roupagem especializada e hermética, acessível apenas a pessoas com determinado saber”.  No texto não fica imediatamente claro que os questionamentos voltados ao OGM se dão essencialmente na CTNBio, uma vez que fora dela as questões sociais e econômicas são trazidas continuamente pelos opositores à biotecnologia e ferozmente discutidas. Na CTNBio o que se faz é avaliação de risco e por isso a composição da Comissão é voltada para a biologia, nas suas várias áreas.  A Comissão não tem a atribuição de discutir internamente as questões sócio-econômicas de um produto novo e nem seus membros têm a formação técnica para tal. As questões fora da biologia são da alçada da gestão e da comunicação de riscos, que deveriam ser exercidas pelo Conselho Nacional de Biossegurança. É uma decisão de Governo deixar que a adoção do produto e suas consequências sejam ponderadas pela sociedade como um todo, através das regras de mercado e de outros mecanismos de expressão da vontade popular.

Numa tentativa de diminuir a importância da decisão técnica, o Dr. Miniuci qualifica o debate que sempre ocorre na CTNBio imputando-lhe um” rótulo: “assunto técnico””. A designação “técnica”, contudo, não é rótulo  algum, é apenas uma consequência imediata da função da Comissão, que já está clara em seu próprio nome! Afinal, ela é uma comissão técnica e sua atribuição é a avaliação de risco, não lhe cabendo polemizar nem discutir as questões socio-econômicas ligadas aos produtos que ela analisa (ver acima). Como toda decisão técnica, ela é baseada em ciência. Por isso mesmo a linguagem das reuniões da CTNBio é árida e impermeável ao cidadão comum e mesmo ao mais instruído, mas que não tenha domínio das áreas afeitas à avaliação de riscos de OGMs.

Logo adiante o Dr. Miniuci conclui que esta forma de proceder da CTNBio “reafirma a separação entre moral e política, de um lado, e ciências da natureza, de outro”. Ora, aqui o Dr. Miniuci francamente passa a ofender os que trabalham na CTNBio e todos os demais membros de comissões técnicas pelo Mundo a fora!!! A Ciência não se opõe à moral, embora ela não a dite. O que ocorre é a separação entre avaliação de risco – que é científica e restrita à biologia, e os demais aspectos, que são afeitos à análise de risco. Tão simples quanto isso. Não é necessário ofender ninguém, apenas compreender a clareza e a sabedoria desta separação, que é funcional e baseada na lei e na capacidade técnica limitada dos membros da CTNBio.

Aproveitando o gancho da separação entre avaliação de risco e gestão/comunicação de risco, o Dr. Miniuci extrapola suas conclusões afirmando que  “reconfirmaram-se, no âmbito da engenharia genética, o mito da neutralidade científica e, a partir dele, o da “decisão técnica””. A ideia lançada nesta afirmação é a de levar o leitor a acreditar que os membros da CTNBio não são neutros em sua decisão e que, portanto, a decisão da Comissão, de forma colegiada, também não o é. Ora, nenhum vivente é completamente neutro na hora de tomar uma decisão técnica: como parte de uma sociedade ele compartilha ideologias, crenças, convicções. Individualmente, qualquer um de nós pode ter maior ou menor viés ao tomar uma decisão técnica. Mas quando a decisão é tomada de forma colegiada, as diferenças ideológicas se diluem. É exatamente por isso que não se individualizam os votos na CTNBio, mas se leva em consideração uma decisão por maioria. Além disso, a CTNBio tem uma metodologia de avaliação de risco, que todos devem seguir, e isso restringe muitíssimo o viés ideológico (ver abaixo). Quando este existe, salta aos olhos: é frequentemente o caso de pareceres divergentes que resvalam fora da ciência e se convertem em exemplos completos de incompreensão do que seja avaliação de risco.

Na sua conclusão, reforçando a falsa ideia de que uma decisão de Colegiado é apenas a soma de decisões individuais, o Dr. Miniuci afirma que “em seus pareceres sobre biossegurança, os especialistas relatam a situação, referindo-se aos aspectos científicos do problema, e, depois, posicionam-se sobre ele (...) conforme estejam satisfeitos ou não com as pesquisas realizadas e dispostos ou não a correr riscos ainda desconhecidos”. O que o Dr. Miniuci parece desconhecer inteiramente é que existe um procedimento, caso a caso, passo a passo, para a avaliação de risco (comentado acima), e pouco espaço para convicções individuais na hora de uma decisão! Não é uma satisfação pessoal que leva a um voto, mas a constatação de que as perguntas pertinentes de avaliação de risco foram respondidas, de acordo com uma metodologia que vem se consagrando na última década.

Sabendo que o Dr. Miniuci é Professor de Direito, tenho certeza que ele compreende que mesmo as decisões individuais se revestem de um caráter impessoal quando baseadas em procedimentos bem estabelecidos. Assim, a decisão de um juiz é aceita por todos e não é personificada: é a decisão que vale e não importa quem a tomou. No máximo, a instância decisória pode ter alguma importância. Neste caso, a CTNBio é a instância técnica máxima, da mesma forma que o STJ no seu âmbito.


Na minha conclusão, fecho dizendo que falta ao Dr. Miniuci a prática da avaliação de risco, que ele vai certamente aprender e saber apreciar se tiver a humildade de aceitar os ensinamentos dos mais experientes e evitar jogar pedras na Comissão da qual faz parte.

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