segunda-feira, 10 de agosto de 2015

“Movimento anti-transgênico é fruto de uma total irracionalidade” – será mesmo?

A afirmação acima, feita talvez num momento pouco feliz pelo Dr. António Coutinho, ex-diretor do Instituto Gulbenkian de Ciência e presidente da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa, vem sendo divulgada pela internet sem comentários de quem divulga (veja, por exemplo, a postagem no Agrolink). O Dr. Coutinho, por sua formação e atuação em ciência, compreensivelmente qualifica todo o movimento anti-transgênico como “irracional”. Mas não é assim: há uma legião de simpatizantes do movimento que se alinha a ele pela percepção de risco, que é moldada por um conjunto complexo de influências e informações. Não há irracionalidade nisso, mas um tempo limitado de cada um para se aprofundar num tema e a confiança que temos nos nossos pares.

Por exemplo, quem acredita num mundo agroecológico, sem as novidades técnicas do agronegócio nem a concentração de propriedade de terras, tende a se alinhar com o movimento anti-transgênicos. A pessoa tenderá a acreditar no que dizem os seus pares, não nos cientistas, não importa a quantidade de informação fidedigna que estes lhe possam aportar. Ela também não tem tempo, nem vontade e, em geral, nem o conhecimento, para digerir as informações científicas. O mesmo ocorre com alguém de outro grupo qualquer. Na verdade, não temos uma opinião inteiramente nossa, mas refletimos, muito mais, a opinião de nosso grupo. Fazemos isso porque somos parte de rebanhos, por mais individualistas que sejamos.

Os que militam no movimento antitransgênicos provavelmente julgam que o Dr. Coutinho, como todos os demais cientistas do main trend, seleciona as informações científicas de forma a só ver o que quer e despreza a opinião dos cientistas “independentes”. Esta ideia é repassada em seu grupo e comprada por todos os simpatizantes, sem questionamento.

No fundo, não somos muito diferentes dos alfas, betas, gamas e deltas do Admirável Mundo Novo: o Aldous Huxley apenas extrapolou num mundo imaginário o que ocorre hoje, e ainda com mais força, num mundo onde as redes sociais dão as cartas.


A conclusão: cada um seguirá dizendo aquilo que acredita e desqualificando os demais, como sempre foi, desde que o homem aprendeu a falar e talvez mesmo antes disso. Mesmo sem perceber que sua opinião é, de fato, a opinião do grupo de carneiros ao qual pertence. Que grupo vai vencer a “batalha” dos transgênicos? Provavelmente o da ciência, que vem amealhando vitórias faz muitos séculos. Espero viver bastante para ver isso.

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