sábado, 28 de fevereiro de 2015

Avaliação de risco do eucalipto transgênico com crescimento rápido, que expressa as proteínas Cel1 e NPTII


Paulo Paes de Andrade1, Amaro de Castro Lira Neto2, Marcia Almeida de Melo3
1 Departamento de Genética/ UFPE. 2 Instituto Agronômico de Pernambuco. 3 Centro de Saúde e Tecnologia Rural/ UFCG

Versão em pdf disponibilizada pelo Stop GMO Trees: https://stopgetrees.org/wp-content/uploads/2015/04/H421-Eucalyptus-risk-assessment-short-Portuguese.pdf

Nesta postagem voltamos a mostrar ao leitor, com grande detalhamento, como é possível avaliar os riscos que um eucalipto geneticamente modificado pode trazer ao ambiente e à saúde. Para tal seguimos as orientações internacionais e refizemos os cinco passos da avaliação, concluindo que nenhum dos 13 perigos identificados concretiza-se em danos. As informações aqui repassadas ao público serviram de base para a tomada de decisões na CTNBio e podem de fato servir de base para igual ação em qualquer fórum técnico porque estão baseadas na melhor ciência e nos dados experimentais trazidos à luz pela proponente do eucalipto em análise.

1. Introdução

O Brasil é um país megabiodiverso. Cabe aos brasileiros o dever de preservar esta gigantesca biodiversidade e fazer uso dela de forma sustentável. Mas o país é também o lar de 200 milhões de habitantes que precisam viver dignamente e para isso devem produzir bens de consumo e exportação para garantir uma renda per capita compatível com o nível de desenvolvimento social que desejamos. A busca por um equilíbrio entre os dois objetivos, aparentemente conflitantes, deve ser contínua e não pode desprezar o mais importante elemento que garante a mudança de paradigmas, seja na economia, seja no comportamento que determina outras mudanças sociais: a inovação. É de fato a inovação que permite mudanças estratégicas de produção e consumo e que, em última instância, tem levado a humanidade, sucessivamente, a vencer desafios aparentemente intransponíveis.

Neste contexto, o Brasil enfrenta um desafio científico que chama a atenção do Mundo: a avaliação de risco do eucalipto geneticamente modificado (GM) para crescimento mais rápido e a possível aprovação desta variedade para plantio comercial. Embora outras variedades de eucalipto GM estejam sendo avaliadas em outros países (ver http://www.nature.com/news/brazil-considers-transgenic-trees-1.15769), o Brasil é o único que está na reta final de aprovação para uso comercial de uma árvore transgênica. Para um país que depende fortemente da produção florestal, tanto para madeiras como para celulose, seja no mercado interno, seja para exportação, a chegada de uma tecnologia que aumenta a produtividade em madeira é, seguramente, algo que deve ser pensado com cuidado, sem descartar apressadamente sua possibilidade de adoção em nome de algum temor quiçá infundado.

A internet traz dúvidas sobre a segurança de plantas transgênicas, provenientes de diferentes atores no complexo cenário do agronegócio X ambientalismo, mas quase nada contribui para o desenvolvimento de uma avaliação de risco deste OGM em particular. A CTNBio já ouviu os pareceres de todos os membros responsáveis pela análise do dossiê encaminhado pela FuturaGene para solicitar a liberação comercial do seu eucalipto GM, exceto o parecer de vistas (cuja leitura não foi possível devido à invasão da Plenária da Comissão pelo MST em 05 de março de 2015). Assim, os textos mais técnicos disponíveis são o próprio dossiê submetido pela proponente e as contribuições à audiência pública 05/2014, realizada no último dia 04 de setembro, todos disponíveis no site da CTNBio, além dos pareceres, que podem ser solicitados à CTNBio.

A consequência da falta de informação técnica mais ampla, numa linguagem acessível ao publico interessado, é que a percepção de risco vem sendo inteiramente moldada pelos portais que se opõem à biotecnologia. Assim, há um distanciamento considerável entre os riscos percebidos e os riscos reais, repetindo o que já aconteceu outras vezes em cenários onde a opinião pública é fortemente influenciada pela mídia (ver comentários aqui). O presente texto procura preencher esta lacuna, oferecendo ao leitor todas as informações necessárias à compreensão do risco real do eucalipto GM, organizadas e empregadas na sistemática de avaliação de risco oficial.

As informações estão divididas em vários tópicos, mostrados no sumário abaixo:

Avaliação de risco de um OGM e decisão sobre sua segurança ambiental: um processo estruturado – neste tópico, descrevemos para o leitor o passo a passo da avaliação de risco, como estabelecida nos últimos 10 anos e consolidado em muitos documentos oficiais e textos científicos e técnicos.

A avaliação de riscos ambientais do eucalipto transgênico com crescimento acelerado – neste tópico, bastante longo, detalhamos toda a avaliação de risco do eucalipto GM. Em sua maior parte a avaliação coincide com aquela feita na CTNBio. Os vários passos da avaliação estão descritos nos sub-tópicos abaixo:

Contexto – neste passo focalizamos a avaliação de riscos do eucalipto nos parâmetros relevantes.

Lista de perigos – um passo democrático, onde listamos perigos percebidos pelos distintos segmentos da sociedade, além daqueles identificados por nós mesmos, oriundos da contextualização do problema.

Caracterização do risco – este é talvez o passo mais crítico, depois da contextualização, pois exige a construção de rotas ligando cada perigo ao seu dano por hipóteses cientificamente plausíveis. Exige trabalho duro e muito conhecimento dos vários elementos que configuram o contexto.

Classificação do risco – um passo simples, onde a probabilidade de que o dano se concretize e a magnitude do dano são integradas para estimar o risco.

Decisão (ou recomendação) às autoridades - o passo final em que os riscos são apresentados ao tomador de decisões e sopesados (quando existem) às medidas de mitigação cabíveis.

Observações finais – neste ponto voltamos às considerações sobre desenvolvimento sustentável, preservação do ambiente e inovação.
                            
2. Avaliação de risco de um OGM e decisão sobre sua segurança ambiental: um processo estruturado

A avaliação de risco desta variedade de eucalipto dá uma oportunidade ímpar de se demonstrar a aplicabilidade integral do passo a passo de avaliação de risco que vem se consolidando nos últimos 10 anos. Textos produzidos pela Convenção de Biodiversidade, pela Autoridade Australiana em Avaliação de Riscos de OGM e por outros experts, inclusive o guia produzido por um grupo de avaliadores de risco da América Latina, podem servir de base para avaliar qualquer OGM. Este é o primeiro ponto a se ter em vista: não há qualquer necessidade de se ter diretrizes específicas para avaliação de árvores GM, pois a forma como está estruturada a avaliação de risco moderna é aplicável para todo e qualquer organismo geneticamente modificado, independente de sua espécie, construção ou uso. Na leitura deste texto (alertamos o leitor que o texto é longo, e pedimos desculpas por isso) deve-se sempre ter em mente que as avaliações de risco procedem caso a caso, passo a passo e comparam o organismo transgênico com o convencional em busca de novos riscos advindos da transformação genética. Os riscos comuns aos organismos transgênico e convencional não interessam ao avaliador de risco, que só se debruça sobre os perigos novos, embora possam ser importantes para o analista de risco, que sopesa riscos e benefícios.

A Figura 1 ilustra os vários passos da avaliação de risco, como estabelecidos na última década. O processo assim estruturado permite que o avaliador se debruce efetivamente sobre os perigos que podem se transformar em dano aos objetos de proteção amplos estabelecidos na nossa Constituição, sem desprezar os demais perigos trazidos à sua consideração pelos vários atores no complexo cenário da biotecnologia moderna. Em cada passo o avaliador vai progressivamente se concentrando nos elementos indispensáveis para proceder a classificação dos riscos de cada perigo identificado como possível. A legenda da figura descreva de forma breve, mas elucidativa, o que se espera atingir em cada passo.


Figura 1. Representação esquemática do passo a passo da avaliação de riscos de OGMs, consolidado nos últimos 10 anos e inserido no roteiro de avaliação das principais agências de avaliação de risco do Mundo. O primeiro passo é a determinação do contexto de liberação do OGM, que é composto de elementos muito diversificados, provenientes do arcabouço legal do país, da biologia do organismo não transgênico, da construção genética, da experiência prévia com organismos semelhantes e do ambiente receptor. O segundo passo é uma lista extensiva de perigos, advindos da percepção de risco dos diversos atores envolvidos com a aceitação/rejeição do produto. No terceiro passo (Caracterização dos riscos), são construídas rotas que levam do perigo ao suposto dano, descartando-se desta forma aqueles que não têm uma rota possível apoiada em ciência e, ao mesmo tempo, estimando probabilidades de ocorrência e magnitude de dano para aqueles perigos que podem se concretizar em riscos. No quarto passo (Classificação dos riscos), a classe dos riscos é estimada em função da probabilidade de que a rota ao dano se concretize e na magnitude do dano esperado. Por fim, no quinto passo, uma decisão técnica baseada em ciência pode ser tomada, levando em conta exclusivamente os novos riscos (i.e, não são considerados nesta decisão os eventuais benefícios que o produto possa trazer ao país nem os riscos que o organismo convencional já traz ao ambiente, desde que iguais aos trazidos pelo transgênico).

2.1  Os 5 passos da avaliação de risco

Em geral assume-se que uma correta contextualização do problema (Primeiro passo ou Formulação do problema) é vital para que o avaliador não se perca avaliando perigos que não se referem ao OGM ou, ao contrário, que deixe de considerar elementos do contexto dos quais podem provir perigos novos. É também nesta etapa que o avaliador deve definir os pontos finais de avaliação (isto é, organismos ou sistemas específicos, passíveis de experimentação) que representem adequadamente os objetos de proteção identificados dentro das amplas metas de proteção definidas pelas leis do Brasil.

O segundo passo dá transparência ao processo, no sentido em que todas as preocupações provenientes das mais diversas fontes podem e devem estar arroladas na avaliação: a lista de perigos deve ser ampla, mas só deve incluir os possíveis perigos novos derivados do impacto direto do OGM no ambiente. Os perigos que já estejam associados ao organismo parental não modificado não cabem nesta lista, nem aqueles derivados da tecnologia associada ao produto.

O terceiro passo (Caracterização dos riscos) é, de fato, o cerne da avaliação de risco: é através do uso judicioso de rotas ao dano que se pode, por um lado, descartar perigos imaginários e, pelo outro, estimar probabilidades de ocorrência. Cada passo da rota deve ser cuidadosamente avaliado com base no que a ciência indica, levando em conta toda a literatura pertinente e os resultados gerados pela proponente (em geral em parceira com instituições de ensino e pesquisa públicas e, algumas vezes, com acompanhamento da própria CTNBio). As rotas que têm passos com probabilidade de ocorrência nula diretamente descartam o perigo como imaginário. Neste passo também é preciso definir a magnitude do dano, que está relacionada a impactos em vários níveis, desde aqueles restritos a poucos indivíduos até um impacto irreversível em muitas populações.

O quarto passo é relativamente mais simples, pois basta que se utilizem numa tabela ad hoc desenhada a probabilidade total de concretização da rota e a magnitude do dano. Este procedimento rápido permite estimar a classe de risco associada ao perigo.

No quinto passo os riscos são ponderados globalmente sem, contudo, se levar em conta qualquer benefício que o produto possa trazer ao país. A experiência nos últimos 10 anos mostra que os riscos identificados pelas agências de governo são, em geral, insignificantes.

O uso de uma abordagem estruturada e clara, avançando passo a passo e avaliando cada caso (produto) separadamente é garantia de que os riscos serão corretamente identificados e classificados. Uma abordagem sem base neste procedimento costuma ser confusa, levando a intermináveis discussões sobre pontos irrelevantes e, ao contrário, podendo facilmente levar a falhas na identificação de perigos reais.




Vamos agora repetir o passo a passo descrito acima, aplicando os princípios de avaliação para o eucalipto GM expressando duas novas proteínas: a Cel1, que confere o fenótipo de crescimento acelerado, e a NptII, que confere resistência a certos aminoglicosídeos e só tem utilidade na fase de seleção das plântulas.



O primeiro passo, como explicado acima, é a definição clara do contexto no qual o eucalipto transgênico será liberado e que interações novas ocorrem entre o eucalipto GM e o ambiente, devidas à modificação genética. Vários elementos de análise compõem este contexto, como comentado acima e ilustrado na Figura 1. Comecemos pelo ambiente receptor, que é talvez o mais simples dos elementos do contexto.

No caso do eucalipto GM, embora ele possa ser cultivado em todo o país, as áreas com aptidão agrícola e com localização adequada para a cadeia produtiva são aquelas onde hoje se planta o eucalipto convencional. As florestas de eucalipto em geral coexistem com outras culturas próximas e com mata nativa, nas chamadas reservas legais e em outras manchas de floresta. Outras atividades agrícolas, como a pecuária e a apicultura, coexistem com as plantações de eucalipto. Os animais, as plantas, o solo e a água deste ambiente podem interagir com os eucaliptos GM, mas nem todas as interações imaginadas serão possíveis e os níveis de exposição às proteínas novas (provenientes da expressão dos transgenes) poderão ser muito diferentes. As interações e as exposições serão definidas pela biologia do eucalipto e pelas modificações genéticas determinadas pela transgenia. Elas também dependem do uso que será feito do eucalipto, o que vai ser visto mais adiante, quando discutirmos o histórico de uso seguro.

Da biologia do eucalipto podemos extrair algumas informações muito importantes para nossa avaliação. A primeira delas, que determina a possibilidade de escape dos transgenes para outras espécies de plantas, é sobre a existência de espécies de plantas no Brasil, sejam nativas ou não, que possam cruzar com o eucalipto: o eucalipto GM é um híbrido de duas espécies (E. grandis X E. urophylla) e não tem parentes silvestres fora da Ásia e da Oceania, tornando impossível a fuga dos transgenes por cruzamento sexual (transmissão vertical, como é chamada tecnicamente). Da biologia também aprendemos que o eucalipto é polinizado principalmente por abelhas e, embora seu pólen possa ser transportado pelo vento, não é desta forma que a planta se reproduz, reduzindo a no máximo umas centenas de metros a possibilidade real de cruzamentos entre eucaliptos. Além disso, embora o eucalipto se reproduza por sementes, ele não é comercialmente propagado assim e não se espalha em matas ou mesmo em capoeiras e áreas agrícolas abandonadas ou de uso pouco intensivo (i.e., não mostra “invasividade”). Por fim, também extraímos da biologia que os animais silvestres no Brasil não se alimentam de partes da planta de eucalipto e que apenas os polinizadores frequentam as flores, recolhendo delas o néctar para a produção de mel e transportando pólen como contaminante neste processo. Há, naturalmente, uma infinidade de outras informações sobre a biologia do eucalipto, mas julgamos que estas são as mais importantes para a avaliação de riscos. O entendimento consensual da biologia do eucalipto pode ser lido no documento da OECD.

Da construção genética podemos extrair muitas informações, mas as que são relevantes para a avaliação de risco são poucas e derivadas essencialmente da análise de alterações fenotípicas, da expressão dos genes e de sua estabilidade. Empregando uma linguagem mais simples, interessa ao avaliador saber se o eucalipto GM se comporta como esperado (isto é, cresce mais rápido), sem que apresente qualquer mudança inesperada de comportamento; interessa também saber quais novas proteínas são expressas, suas concentrações nos vários tecidos e a estabilidade destas características ao longo de várias gerações da planta. No caso do eucalipto, todas as evidências apontam para uma única alteração de comportamento: o crescimento mais rápido. Em todos os demais aspectos o eucalipto GM se mostrou igual ao convencional. Isso era esperado, uma vez que uma única inserção da construção genética foi feita e que ela não codifica enzimas ou proteínas que possam afetar o comportamento biológico da planta, exceto seu crescimento mais rápido. As proteínas expressas são uma endoglucanase (Cel1) e uma enzima que confere resistência a certos antibióticos (NptII). A primeira é responsável pelo crescimento rápido e provém de Arapidopsis thaliana, uma planta muito usada como modelo em pesquisas (como o camundongo nas pesquisas médicas). O eucalipto tem muitas outras endoglucanases endógenas (isto é, produzidas por ele mesmo) e a proveniente de A. thaliana é bastante conservada na natureza. A outra enzima vem de Escherichia coli, uma bactéria intestinal bem conhecida. Nenhuma das duas é tóxica ou alergênica para seres humanos nem parece afetar negativamente qualquer espécie.

O histórico de uso seguro dos eucaliptos nos traz algumas informações importantes: as variedades convencionais do híbrido em pauta nunca se mostraram invasivas e os produtos obtidos com ela são seguros para todos os usos normais que se faz do eucalipto, inclusive o mel. Variedades com crescimento mais rápido estão sendo desenvolvidas e avaliadas nas últimas décadas e esta aceleração do crescimento não parece impactar a qualidade do solo ou da água e sua disponibilidade nas áreas de plantio, quando os resultados são comparados àqueles obtidos com variedades mais antigas, de crescimento mais lento. Ainda não há experiência comercial com o eucalipto GM, seja da variedade em avaliação pela CTNBio, seja com qualquer outra. Os resultados nesta área apoiam-se em experimentos de laboratório, em casa de vegetação e a campo, mas todos apontam para o que a construção genética e sua expressão indicam: o eucalipto GM não apresenta impactos distintos daqueles já presentes nas florestas de eucalipto convencional. Outra fonte valiosa para obter dados sobre os riscos de árvores transgênicas reside nos resultados de avaliações de riscos de outras plantas ou do eucalipto, feitas em outros países. A tabela abaixo mostra que o conhecimento sobre árvores GM tem se acumulado rapidamente e a conclusão tem sido sempre a mesma: os riscos não parecem ser diferentes entre as plantas GM e as convencionais.




Quadro I. Sumário das liberações planejadas no ambiente aprovados em diferentes países para árvores (espécies florestais).
Baseado em Häggman et al. 2013, apud Baulcombe et al, 2014

Procuremos agora definir as metas de proteção relevantes para nosso evento. Na verdade, estas metas já estão definidas, de forma muito ampla, na legislação do país, inclusive na Constituição Federal. Sabemos que é preciso evitar impactos à biodiversidade e proteger nossos mananciais de água, assim como a qualidade do solo e do ar. A gama de objetos de proteção que estas metas envolvem é tão grande que é indispensável reduzi-la escolhendo judiciosamente alguns objetos de proteção que, de fato, possam ser impactados pelos eucaliptos GM. Tendo em conta o que discutimos da biologia da planta, da modificação genética, do ambiente receptor e do histórico de uso, podemos reduzir convenientemente os objetos de proteção, como se verá a seguir.

Considerando inicialmente que o eucalipto, seja GM ou convencional, não é consumido por animais silvestres, a exposição destes às proteínas da variedade transgênica é muito baixa. Apenas os polinizadores fazem uso do néctar das flores que, entretanto, não contém proteínas da planta. As novas proteínas do eucalipto GM estarão no pólen, que está presente em quantidades muito variáveis no mel e é tido, em geral, como uma impureza. Pode-se conceber uma rota pelo qual a presença de pólen GM poderia ter consequências negativas aos polinizadores (como veremos mais adiante). Assim, polinizadores podem ser considerados como objetos de proteção que têm relevância nesta avaliação. Eles são, de fato, o único elemento da biodiversidade animal que poderia ser afetado por este eucalipto GM.

Por outro lado, como não existem plantas brasileiras que cruzem com o eucalipto, o perigo da dispersão dos transgenes e de algum dano causado pela sua expressão nas plantas nativas do país não tem uma rota possível a um hipotético dano. Uma alternativa de dano à flora seria pela invasão de ambientes pelo eucalipto GM, mas a probabilidade de que isso aconteça de forma diferente do que acontece com o eucalipto convencional é tão remota que pode ser descartada. Assim, a biodiversidade vegetal deixa de ser uma meta de proteção relevante para esta avaliação de risco.

Há ainda que considerar as novas ameaças que este eucalipto poderia trazer para a qualidade das águas superficiais e de subsolo e para o solo nas áreas de cultivo do eucalipto transgênico. As duas proteínas expressas são, na verdade, comuns na Natureza e sem propriedades físico-químicas anormais, de forma que se espera sua degradação rápida no solo e nas águas, seja abioticamente ou através da ação de organismos aquáticos e de solo. Nenhuma das duas proteínas é tóxica para os organismos indicadores de qualidade de solo ou água, nem é possível desenhar uma rota cientificamente plausível que conduza da exposição do solo, da água ou dos organismos neles contidos a um dano. Então, não se espera qualquer impacto diferente direto do eucalipto transgênico sobre eles. Menos ainda são esperadas alterações físico-químicas do solo ou da água produzidas por estas proteínas. Portanto, solo e água não são objetos de proteção relevantes para esta avaliação.

Indiretamente, seria possível imaginar que um crescimento mais rápido do eucalipto poderia implicar numa demanda maior de água e que isso poderia ter efeitos desastrosos ao ambiente. Entretanto, as variedades atuais convencionais de eucalipto crescem muito mais rápido que as variedades cultivadas duas décadas atrás e nenhum impacto desta natureza foi visto, portanto pode-se seguramente descartar este impacto.

Assim, uma vez consideradas as metas de proteção gerais de nossa legislação, isto é, biodiversidade, solo e água, concluímos que o objeto de proteção que poderia ser de fato impactado, através de uma rota ao dano ainda a ser discutida, seria o grupo dos polinizadores que frequentam as plantações de eucalipto. Nesta fase é necessária ainda uma nova redução da complexidade da análise, pela escolha de um organismo que represente os polinizadores de forma adequada. Esta escolha dá ao avaliador o que se chama ponto final de avaliação (assessment endpoint). Neste caso as abelhas Apis mellifera são a melhor escolha, pela abundância na Natureza, facilidade de manuseio em laboratório e vasto conhecimento sobre sua biologia.

Uma vez decididos os pontos finais de avaliação, está concluída a Formulação do Problema – Contexto, e pode-se seguir para a próxima etapa da Formulação do Problema: o estabelecimento de uma lista de perigos.



Os perigos que conformarão a lista refletem tanto a percepção de riscos do público e das várias organizações da sociedade, como a do próprio avaliador de riscos. E, não menos relevante, inclui os perigos identificados pelo avaliador através do uso da avaliação de riscos estruturada, como mostrado acima. De fato, uma correta Formulação do Problema define tanto o contexto como os possíveis perigos reais.

Na lista a seguir incluímos muitos dos perigos percebidos pelo público, independentemente de seu potencial em concretizar-se como dano. Entretanto, após definido o contexto fica claro que muitos destes perigos não representam de fato ameaças reais. Recomendamos ao leitor que, como exercício, pondere cada perigo da lista antes de avançar no passo seguinte da avaliação de risco – a Caracterização do risco.

Os perigos iniciam-se pelos onze identificados nesta avaliação de risco e pelo público (inclusive os provenientes da audiência pública) e seguem para outros descartados a priori porque, claramente, não se concretizam em dano.
1)      Impacto da proteína NPTII contida no pólen sobre as abelhas. (Hipótese: a enzima irá dificultar ou impedir o tratamento de infecções bacterianas na colmeia com antibióticos aminoglicosídeos);
2)      Impacto direto das proteínas NptII e Cel1 no metabolismo das abelhas, com morte de grande número de indivíduos;
3)      A transferência de transgenes para espécies silvestres e os impactos que estes novos genes poderiam ter na flora brasileira;
4)      Aumento na competitividade/invasividade da variedade de eucalipto GM de crescimento rápido;
5)      Impacto do eucalipto transgênico sobre populações de pássaros e outros animais que buscam abrigo e alimentos na floresta de eucalipto;
6)      A transferência de transgenes para espécies de eucalipto cultivadas por pequenos agricultores e os impactos que estes novos genes poderiam ter na agrobiodiversidade (VER TAMBÉM PERIGO seguinte);
7)      Uma quantidade não desprezível de sementes de eucalipto é produzida e comercializada no país e o espalhamento inadvertido dos transgenes poderia ser originado do plantio destas sementes, com impacto na apicultura; 
8)      Esgotamento do lençol freático e outras perturbações na dinâmica das águas, provocado pelo crescimento rápido do eucalipto GM;
9)      A introdução dos transgenes e sua expressão poderiam alterar o metabolismo da planta de forma inesperada;
10)   Movimento transfronteiriço de pólen e sementes (em atendimento às preocupações embutidas no Protocolo de Cartagena, do qual o Brasil é signatário);
11)   Síndrome do colapso das colmeias, supondo que exista uma correlação entre ela e as plantas transgênicas. **************************************************************
12)   A transferência horizontal do gene nptII para bactérias, espalhando resistência a antibiótico no ambiente;
13)   A falta de ensaios com animais não permite concluir sobre a inocuidade alimentar do eucalipto.

Algumas preocupações não se referem a riscos biológicos, mas ao método de avaliação. Assim, há uma preocupação de que se empregue uma abordagem de precaução, em atendimento à Declaração do Rio, de 1992. Lembramos ao leitor que a abordagem de precaução na avaliação de riscos de OGMs que o país tem que seguir é aquela que foi definida pela Convenção de Biodiversidade, como comentado em detalhes no link. Esta preocupação aparece, por exemplo, no portal da ASPTA: “A falta de estudos ou sua insuficiência prevê a aplicação do Princípio da Precaução, como previsto na lei de biossegurança (lei 11.105/2005)”. A afirmação, entretanto, está errada: a) a aplicação de uma abordagem de precaução é indispensável, haja ou não informação suficiente para uma tomada de decisão esclarecida e b) o uso da avaliação de risco, como estruturada hoje e mostrada acima, é ela mesma a melhor forma de abordagem de precaução!

Há também a preocupação de que não houve tempo para avaliar riscos de impactos sobre as abelhas, a qualidade do mel e outros aspectos de risco. Na verdade, houve tempo para avaliar a variedade de eucalipto GM em pauta, uma vez que ela vem sendo estudada há quase uma década e que os riscos identificados (como se verá neste texto) são poucos. Ainda que haja algumas liberações planejadas sem conclusão final, os dados acumulados são suficientes para uma decisão bem instruída da CTNBio.

Em alguns portais se expressa também a preocupação de que o Brasil não esteja seguindo uma Decisão da Convenção de Biodiversidade sobre avaliação de riscos de árvores GM, mas isso não acontece, como se pode ler no link.

Na audiência pública foram também trazidas à consideração da CTNBio preocupações sobre a escolha dos indicadores de impacto ambiental: a empresa estudou abelhas e alguns invertebrados, mas não transpareciam as razões destas escolhas no dossiê. Como discutimos anteriormente na Formulação do Problema, não há razão para se esperar que o eucalipto GM impacte negativamente a fauna de solo ou a aquática. A escolha foi, assim, baseada na experiência anterior em avaliação de qualidade do solo e de águas e os experimentos foram feitos muito mais em atendimento à Resolução Normativa do que em resposta à avaliação de risco. Quanto à escolha de Apis mellifera, em lugar de abelhas silvestres, a decisão se deveu à sua abundância e ao vasto conhecimento sobre a espécie, que pode assim representar um ponto final de avaliação muito melhor do que as abelhas silvestres. Neste caso também é preciso lembrar que não há uma rota clara pela qual o eucalipto possa causar dano às abelhas, exceto a ideia, um tanto vaga e especulativa, de que a presença de neomicina fosfotransferase nos grãos de pólen pudesse afetar de alguma forma o combate a bactérias de colmeias infectadas. Para esta suspeita de dano a abelha europeia é, evidentemente, a escolha mais acertada como espécie a ser avaliada. Ainda assim, não se deve esquecer que o Projeto CDA Eucalyptus gerou uma grande quantidade de informação para a avaliação de risco no que concerne insetos não alvo. Os resultados foram consolidados na dissertação de mestrado (2014) intitulada “Efeito do Pólen de Eucalipto Geneticamente Modificado em abelhas Scaptotrigona bipunctata (MELIPONINI) e Apis mellifera (APINI)“, de Mariana Zaniol Fernandes, através do Programa de Pós-Graduação em Zoologia da PUCRS (resumo). Assim como para a abelha europeia, não foram observados efeitos deletérios das flores do eucalipto transgênico sobre uma melípona.
                                                                   

Por fim, há preocupações que não têm a ver com o impacto direto do transgênico, mas com alguma prática agrícola (p. ex., aumento do uso de agrotóxicos, problemas sanitários no médio prazo devido a resistência de insetos e ervas daninhas e aparecimento de novas pragas, contaminação pelo uso excessivo de pesticidas – ainda que não haja uma base clara para se esperar que a transgenia afete de alguma forma estes parâmetros) e não serão comentadas aqui uma vez que não fazem parte da avaliação de risco. Nesta categoria de preocupação também se encaixa a questão da presença de pólen transgênico proveniente dos eucaliptos GM no mel e os impactos que isso poderia ter na exportação, mas esta não é uma questão de avaliação de risco biológico do OGM e não compete à CTNBio.

Algumas preocupações veiculadas na mídia alternativa não são válidas porque proveem de fontes que não leram o dossiê que está na CTNBio com a necessária atenção. Por exemplo, no portal da ASPTA (http://aspta.org.br/campanha/gm-eucalyptus/) há a preocupação com a composição do mel: segundo a associação, “a empresa também não avaliou os aspectos nutricionais do mel produzidos por abelhas que visitaram as árvores transgênicas”. O erro é grave porque a análise composicional comparativa e vários outros estudos sobre o mel foram feitos em detalhes, como se lê no Item 3.1 da página 131 do dossiê submetido pela Futuragene à CTNBio; nenhuma diferença foi observada. Aliás, diferenças não eram de fato esperadas, uma vez que mel é feito de néctar e só contem açúcares e que nada na transformação genética poderia alterar a composição do néctar. Além disso, a variação entre o mel de diferentes origens é muito grande e uma pequena variação entre mel feito com os dois eucaliptos, mesmo que existisse, seria completamente irrelevante. Na mesma fonte lê-se que “não há estudos atualmente que permitam avaliar o potencial impacto do eucalipto GM”. É evidente que a informação disponível é vasta, como se depreende do dossiê e da literatura disponível sobre o eucalipto e sobre os genes e proteínas expressas na variedade em análise.

Uma vez descartadas as preocupações metodológicas e formulada uma lista de perigos que pareçam ter ao menos algum caminho plausível para concretizarem-se em danos, podemos seguir para o próximo passo, a Caracterização do Risco.



Neste passo é necessário criar uma rota que conduza do perigo ao dano para cada um dos perigos listados no passo anterior. A rota ao dano é uma cadeia de eventos hipotéticos que precisam ocorrer para que o perigo se concretize em dano. Para cada evento pode-se estimar a probabilidade de ocorrência. A probabilidade de que a rota se cumpra é o produto das probabilidades de cada evento e deve ser classificada em quatro níveis, como mostrado na Tabela 1 abaixo. É evidente que a existência de um único evento na rota que nunca ocorra (probabilidade = 0) implica que a rota é impossível ou inválida e que o perigo não é real. 


Tabela 1: Os quatro níveis (ou classes) de probabilidade de ocorrência de dano devido à introdução de um OGM
Iniciaremos nossa caracterização a partir do segundo perigo, deixando o primeiro para uma análise mais detalhada posterior.

Em nossa opinião o segundo perigo da lista não tem uma via pela qual possa se concretizar em dano. De fato, as novas proteínas estão dento do pólen e sua liberação implica na digestão do pólen, o que reduz muito a exposição, já pequena, às proteínas intactas. Além disso, não há relatos de que as duas proteínas sejam tóxicas para animais. Por fim, os resultados da dissertação de mestrado de Mariana Z. Fernandes comprovam que não há dano algum.

O terceiro perigo da lista não se concretiza em dano porque o eucalipto é uma espécie exótica que não cruza com nenhuma planta nativa e tampouco com as plantas trazidas para o Brasil, exceto o próprio eucalipto.

Para que o quarto perigo se concretize em dano é preciso que o eucalipto GM não apenas cresça mais rápido, mas mude seu comportamento e passe a invadir áreas silvestres ou áreas agrícolas de baixo manejo. Afinal, as espécies conformadoras do híbrido e o híbrido em si nunca foram reconhecidos como invasoras. Como não há qualquer indicação de mudança biológica que pudesse levar a este comportamento e como não faz sentido imaginar que estas mudanças apareceriam subitamente nos anos vindouros, podemos descartar este perigo. Ainda assim, a proponente da variedade de eucalipto em avaliação apresentou diversos estudos relacionados a este perigo: foi feito um estudo de fluxo gênico, estudos de sobrevivência de plantas oriundas de sementes germinadas no campo, estudos morfológicos e de viabilidade de pólen, e muitos outros que comprovam que as plantas GM são essencialmente idênticas às convencionais (veja também o próximo perigo).

Como não há qualquer alteração significativa das características agronômicas do eucalipto GM exceto seu crescimento mais rápido, e como ele não serve de alimento a animais no Brasil, podemos descartar o quinto perigo.

O sexto perigo tem uma rota possível a um dano, se admitirmos que a presença do transgene é um dano em si, quando ocorrer inadvertidamente, e se admitirmos que a espécie receptora do transgene é uma espécie valorada da agrobiodiversidade. Ora, os eucaliptos cultivados no Brasil são, em sua imensa maioria, propagados vegetativamente, e o pool genético local de E. grandis e E. urophylla é pequeno e pouco relevante para a agrobiodiversidade. Além disso, a simples presença do transgene em nada prejudica a diversidade. Logo, mesmo existindo uma pequena probabilidade de que os transgenes sejam transferidos inadvertidamente para alguns eucaliptos e propagados a partir daí em quantidades significativas, o dano associado é menor e, portanto, o risco é insignificante (veja a composição do risco no passo seguinte – Classificação do risco).

O sétimo perigo se relaciona diretamente com o quinto: se houver fluxo dos transgenes para espécies de eucalipto que, depois, serão propagadas por sementes, os transgenes podem se espalhar e o mel produzido das floradas destas plantas conterá pólen transgênico sem que o apicultor suspeite disso. Na audiência pública e em alguns portais da internet argumenta-se que a produção de sementes de eucalipto é significativa e que isso demonstraria que os riscos seriam grandes. Entretanto, um importante produtor de semente, o Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais (citado pela ASPPTA como produtor destas sementes - http://aspta.org.br/campanha/gm-eucalyptus/) emprega, como esperado, áreas controladas para tal - http://www.ipef.br/sementes/eucapinus.asp - e é altamente improvável que pólen de eucaliptos transgênicos possa alcançar a área de produção. O mesmo se espera, naturalmente, de qualquer empresa responsável na área de produção e venda de sementes. Podemos concluir, portanto, que os riscos aos apicultores serão muito reduzidos. Devemos lembrar, além disso, que os riscos neste caso são ao comércio e nada têm a ver com a segurança alimentar ou ambiental.

O crescimento mais rápido do eucalipto levou algumas pessoas e organizações a imaginarem que isso poderia se refletir num uso muito mais intensivo de água (oitavo perigo). Entretanto, como comentamos na Formulação do problema, variedades com crescimento mais rápido estão sendo desenvolvidas e avaliadas nas últimas décadas e esta aceleração do crescimento não parece impactar a qualidade do solo ou da água e sua disponibilidade nas áreas de plantio, quando os resultados são comparados àqueles obtidos com variedades mais antigas, de crescimento mais lento. Podemos, portanto, descartar este perigo como fantasioso.

O nono perigo é percebido, em geral, apenas pelos que se opõem à biotecnologia: uma alteração genética intencional pode produzir alterações não intencionais, tanto na biotecnologia moderna como em qualquer outro método de modificação genética. Mas, assim como no melhoramento clássico, na biotecnologia centenas de eventos de transformação são analisados e apenas aqueles que têm o fenótipo desejado e NENHUMA alteração em outros aspectos da biologia do organismo alcançam o mercado. Isso é de conhecimento de qualquer melhorista e de boa parte dos agrônomos. Assim, os especialistas não esperam efeitos não antecipados e isso nada tem a ver com uma forma pouco precavida de abordar a avaliação de risco. Ao contrário, imaginar que sempre pode haver efeitos não antecipados escondidos nos OGMs não tem base nem na ciência, nem na práxis. Podemos, portanto, descartar este perigo por ser muito pouco provável e porque não temos, a priori, a menor ideia de que danos poderiam estar associados à alteração não antecipada.

Sendo o Brasil signatário do Protocolo de Cartagena, deve ter atenção ao transporte de organismos vivos geneticamente modificados de um país a outro, desde que igualmente signatário do Protocolo. Ora, sementes de eucalipto transgênico não vão ser exportadas, nem qualquer outro tipo de propágulo. O pólen não pode ser transportado por distâncias maiores que 10 km e as plantações de eucalipto transgênico serão feitas longe das fronteiras (por questões econômicas). Ainda que o pólen pudesse fecundar algumas árvores em outro país (por exemplo, no Paraguai, igualmente signatário), os frutos produzidos dificilmente seriam empregados para gerar novos plantios, como já comentado. E os impactos seriam insignificantes. Podemos, portanto, descartar o décimo perigo como altamente improvável e com dano associado muito pequeno.

O décimo primeiro perigo, apresentado na audiência pública e comentado em vários portais da internet, embora sem uma via clara ao dano, é o impacto das flores de plantas transgênicas na saúde das abelhas, causando a síndrome do colapso das colmeias. Patógenos, presença de metais pesados e de pesticidas, transporte das colmeias e outros fatores têm sido apontados como causas possíveis. As proteínas inseticidas produzidas por plantas transgênicas também estão entre as causas especuladas. Enfim, não existe até o momento uma causa única detectada como o principal agente causador do CCD (Oldroyd, 2007; Ratnieks & Carreck, 2010;  Pottset al., 2010). Entretanto, nunca foi descrito um mecanismo plausível pelo qual os transgênicos pudessem afetar diretamente as abelhas, mesmo aqueles que expressam proteínas inseticidas (Staveley et al., 2014), o que não é o caso de evento em análise. Pode-se, portanto, descartar mais este perigo.

O décimo segundo perigo é, assim como a questão sempre relembrada dos perigos não antecipados, uma preocupação restrita aos que se opõem à biotecnologia. De fato, a transmissão horizontal de material genético, embora não seja impossível, é extremamente rara, sobretudo entre metazoários ou de metazoários para unicelulados. Não se justifica aprofundar neste perigo, que é agora considerado como imaginário para fins práticos.

Finalmente, o décimo terceiro perigo é mais metodológico e não está ligado diretamente à avaliação de riscos ambientais: a falta de ensaios com animais não permitiria concluir sobre a inocuidade alimentar do eucalipto. Embora este texto seja dedicado à avaliação de risco ambiental, cabe comentar que os ensaios com animais só se justificam se as proteínas mostrarem um comportamento em ensaios bioquímicos que justifique experimentos com animais. Este procedimento está bem estabelecido pelo Codex Alimentarius e consolidado em vários guias de avaliação de inocuidade alimentar. Além disso, por que deveriam ser feitos estes ensaios, se ninguém come eucalipto? O que é consumido é o mel, que só traz do eucalipto os açúcares contidos no néctar e diminutas quantidades das duas proteínas, dependendo da quantidade de pólen no mel. A avaliação dos riscos deste mel foi corretamente realizada pela proponente e está detalhadamente discutida em outra postagem nossa, onde concluímos que o risco é insignificante.

Podemos agora nos debruçar sobre o primeiro risco, que tem ao menos uma rota ao dano possível de ser construída em passos determinados pela biologia da planta e da abelha. O possível impacto da proteína NPTII (que determina resistência a certos antibióticos quando expressa no interior da bactéria) contida no pólen sobre as abelhas pode se dar por dois caminhos (rotas ao dano) previamente especulados na audiência pública e em outros locais:
1ª. rota – A presença de NPTII nas colmeias selecionará doenças resistentes a este antibiótico, o que pode ser uma tragédia no futuro se uma doença muito grave se tonar epidêmica, porque o controle será muito mais difícil (proveniente da audiência pública, apresentação de João Dagoberto
2ª. rota – A enzima irá dificultar ou impedir o tratamento de infecções bacterianas na colmeia com antibióticos aminoglicosídeos (outras fontes).

Numa primeira leitura as rotas parecem iguais, mas diferem profundamente no passo mais crítico: na primeira haveria a seleção de patógenos resistentes e na segunda haveria a inibição do efeito do antibiótico. Para evitar a construção de duas rotas ao dano, vamos inicialmente descartar a primeira rota.

Primeiramente, é indispensável saber como atua o antibiótico e como a enzima NPTII é capaz de conferir resistência. O antibiótico é um análogo de aminoácido e liga-se, algumas vezes de forma irreversível, ao ribossomo, interferindo na síntese proteica e, em última instância, matando a bactéria (Gram negativa). A enzima inibe a ação do antibiótico por fosforilação, que se dá pela transferência de um fosfato do ATP para o antibiótico. Nem todos os aminoglicosídeos são inibidos pela NPTII, mas apenas os que têm um grupo 3´-hidroxil: canamicina, neomicina, paromomicina e geneticina (G-418).

De posse deste conhecimento básico podemos nos perguntar: de que forma uma enzima que inativa um antibiótico, cuja ação depende de ATP, poderia selecionar bactérias do tubo digestivo de abelhas, sem a presença do antibiótico e sem ATP? Esta combinação de requerimentos, que está embutida no questionamento levantado na audiência pública, é inteiramente fantasiosa e não encontra o mínimo apoio na ciência. Podemos concluir que a primeira rota não se completa jamais.

Analisemos agora a segunda rota ao dano, que está ilustrada na figura abaixo.



Figura 1: Rota que liga a presença da proteína NPTII à dificuldade ou mesmo à impossibilidade de tratar uma colmeia infectada por bactérias Gram negativas com neomicina ou outros aminoglicosídeos com grupo 3´-hidroxil . Os passos ilustrados na rota levam da exposição ao pólen até o dano às abelhas, que pode ser de diferentes magnitudes (ou classes).

Analisemos, pois, com atenção cada passo da rota, procurando classificar a possibilidade de que ele se concretize.

No primeiro passo testamos a hipótese: as abelhas ingerem pólen? A resposta seguramente é: sim. Qual a possibilidade de que ingiram pólen? 100% (isto é, P1=1,0).  No segundo passo investigamos se o pólen contém a enzima NPTII na forma ativa; A resposta é, novamente, positiva, e a possibilidade de que a enzima esteja ativa é alta, porém não 100% (dependerá das condições ambientes). Até aí a probabilidade de que a rota se concretize é elevada.

No terceiro passo devemos perguntar: a enzima pode ser liberada do pólen (via digestão ou de outra forma)?  A NPTII e todas as demais proteínas da planta que são produzidas no pólen estão contidas nele, que deve ser digerido pelas enzimas do tudo digestivo para que o conteúdo possa ser liberado. Uma parte o pólen é digerido, porém nunca 100% dele. Neste processo as proteínas que estão no pólen também sofrem uma digestão, de forma que a probabilidade de que uma fração importante da atividade enzimática da NPTII seja preservada é pequena. No quarto passo devemos perguntar se a NPTII liberada pela digestão do pólen não continuará sujeita às enzimas digestivas e que fração dela permanecera ativa: mais uma vez, a possibilidade de que enzima permaneça ativa é muito pequena.

No quinto passo, supondo que ainda exista alguma enzima ativa no trato digestivo do inseto, devemos perguntar se ela seria capaz de inativar o antibiótico. Ora, a inativação é um processo de fosforilação que depende de ATP e é altamente improvável que a enzima possa fazer isso na luz no trato digestivo. Sua penetração na bactéria é impossível. Logo, a probabilidade de que a enzima cumpra o seu papel é muito pequena. Na verdade, apenas esta simples consideração já seria suficiente para invalidar toda a rota ao dano.

Supondo que, apesar de todas as razões avocadas acima, ainda exista uma possibilidade real de que um antibiótico ingerido pelas abelhas pudesse ser inativado pela NPTII do pólen, devemos nos fazer uma pergunta óbvia (sexto passo): os aminoglicosídeos deste tipo são regularmente empregados no controle das bacterioses em colmeias? A resposta é: muito raramente: a neomicina e os outros antibióticos semelhantes não têm uso no tratamento de bacterioses em apiários e o antibiótico mais empregado é a oxitetraciclina. Então, sabendo da possibilidade, ainda que remota, de algum tipo de fracasso terapêutico em áreas de cultivo de eucalipto GM, qual a possibilidade que o apicultor deixasse de usar os antibióticos recomendados para escolher um que talvez lhe traga problemas? A possibilidade é, naturalmente, muito remota.

No sétimo passo cabe perguntar: caso um antibiótico passível de ser inibido seja administrado à colônia, uma fração majoritária dele será inativado pela enzima? Dadas todas as considerações acima a resposta é, evidentemente: não. A possibilidade de inativação será muito reduzida. Finalmente no oitavo passo da rota podemos perguntar: Haverá falha importante da ação do antibiótico? Supondo que a enzima ainda esteja ativa, em quantidade significativa, que possa agir sem ATP intracelular, que o antibiótico possa ser inativado por ela, pode haver falha terapêutica, embora mesmo isso não seja 100% seguro, porque vai depender da concentração de antibiótico no trato digestivo.

Assim, se multiplicarmos as probabilidades de cada passo, podemos fácil e seguramente concluir que a possibilidade de que o perigo se concretize em dano é muito pequena.

Cabe agora perguntar quais os danos que podemos esperar, associados a esta via. Listamos abaixo os danos em ordem crescente de extensão:
a) a redução da colônia infectada  antes da troca para um antibiótico efetivo;
b) a morte da colônia infectada;
c) a morte de muitas colônias, com perda local de produção de mel e de polinização;
d) a morte de um enorme número de colônias, com extensa perda de produção de mel e queda aguda de polinização.

É razoável assumir que o dano se limitaria ao primeiro nível de consequências ou, no máximo, ao segundo. Talvez, caso o apicultor fosse muito inexperiente, poder-se-ia até admitir o terceiro nível. Jamais os dois outros. Observando a tabela abaixo, que classifica a extensão dos danos, podemos concluir que os danos seriam marginais oi, no máximo, menores.

Tabela 2: Os quatro níveis (ou classes) de dano devido à introdução de um OGM

Dano à saúde ou ao ambiente devido à adoção de um OGM
Marginal
Aumento mínimo ou inexistente de doenças e outras agressões à saúde humana ou animal
Aumento mínimo ou inexistente de danos a metas de proteção do ambiente
Menor
Aumento mínimo doenças e outras agressões à saúde humana ou animal, que pode ser rapidamente revertido
Aumento mínimo de danos a metas de proteção do ambiente, limitado temporal e espacialmente ou restrito a um número reduzido de indivíduos
Intermediário
Aumento significativo doenças e outras agressões à saúde humana ou animal, que requer tratamento especializado
Aumento mínimo de danos a metas de proteção do ambiente, amplamente distribuído, mas reversíveis a curto prazo e de severidade limitada
Grande
Aumento significativo doenças e outras agressões à saúde humana ou animal, com tratamento difícil ou inexistente
Aumento significativo de danos a metas de proteção do ambiente, amplamente distribuído, afetando populações inteiras, disruptivo para ecossistemas, comunidades de organismos ou toda uma espécie, e de difícil reversão

De posse da probabilidade de concretização da rota e da classe do dano, podemos concluir a caracterização deste risco e prosseguir para sua classificação.



Para todos os demais perigos listados no item 3.2 e discutidos no item anterior, exceto o primeiro, não foi necessária a construção de uma rota ao dano completa, uma vez que a probabilidade que se concretizassem em dano era muito remota ou ainda que o dano era marginal.  Apenas para o primeiro perigo listado – perdas na apicultura por falha terapêutica causada pela presença da enzima NPTII no pólen  - criamos toda a rota e concluímos que a probabilidade de que ela se complete é muito pequena e que os danos associados são marginais ou menores.

Se entrarmos estas duas informações no quadro abaixo, podemos concluir com segurança que os riscos de que a proteína NPTII afete negativamente as abelhas é negligenciável.

Quadro I. Algoritmo para determinação da classe de risco a partir da estimativa da classe de probabilidade e da extensão dos danos



Chegamos finalmente à conclusão de que os riscos do eucalipto transgênico com crescimento rápido, que expressa as proteínas Cel1 e NPTII, são negligenciáveis. A decisão mais correta seria a recomendação de que seja liberado comercialmente.

Devemos aqui ressaltar que em nenhum momento avaliamos os benefícios deste produto: de fato, não cabe ao avaliador de risco este tipo de consideração. Também não cabe a ele ponderar sobre questões culturais ou sociais: estas ponderações fazem parte da análise de risco, para a qual o avaliador de risco em geral não está capacitado.

4. Informações complementares sobre pólen transgênico em mel

Tem-se comentado ultimamente sobre um artigo publicado por Villanueva-Gutiérrez e cols. (2014), no qual os autores mostram que apenas 10 mil ha de soja transgênica em toda a península de Yuacatán foram suficientes para levar à presença de pólen de soja GM em pelo menos duas amostras de mel ensaiadas, obtidas de colmeias próximas aos plantios de soja GM. Estas observações mostram o quanto é provável que a maior parte do mel brasileiro que tenha sido produzido nas proximidades de milharais, algodoais ou plantações de soja GM contenha pólen GM. A presença de pólen de soja no mel parece ser dependente da distância: não houve amostras positivas para este pólen, seja transgênico ou convencional, quando as colmeias distavam mais de 500 m dos plantios. De uma forma geral, um posicionamento adequado das colmeias pode reduzir ou eliminar a presença de pólen GM no mel, mas nos outros passos da cadeia produtiva até a exportação pode haver mistura de mel de diferentes origens, levando à presença de pólen GM no produto final. O fato é que o México, quarto maior exportador de mel do Mundo, enfrenta a forma não científica como a Europa estabelece sua política de OGMs, em particular em relação ao pólen presente nomel (http://www.cropgen.org/article_513.html)  e não parece haver uma solução fácil, exceto abandonar o mercado europeu (http://www.science20.com/news_articles/gmo_soybean_pollen_harmless_except_european_regulators-129294). O mesmo poderá acontecer com o Brasil e isso nada tem a ver com o eucalipto. A mudança não deve ser aqui nem entre os países produtores, que precisam conciliar produção de mel e de outros produtos agrícolas, mas na Europa: afinal, legislação que ofende a ciência não pode ser respeitada e isso deve ser levado à OIC e a outros fóruns pertinentes.

De toda forma, baseados no falso conceito de que o pólen de plantas GM pode ser prejudicial à saúde humana, muitas organizações que se opõem aos OGMs já alertam para a presença de pólen GM no mel mexicano (veja, por exemplo, http://www.foodexposed.co.za/coming-to-a-store-near-you-unlabeled-gmo-honey/), elevando os riscos de rejeição do produto exportado mesmo em mercados que não regulam os OGMs aprovados para consumo, como os EUA. Este comportamento predatório das organizações anti-OGM, a maioria sediada nos EUA e na Europa, leva a prejuízos grandes para os países do Terceiro Mundo produtores de mel, que também são os que produzem comida, tanto para si mesmos como para exportação, e que muitas vezes contam com a biotecnologia agrícola como uma ferramenta a mais para impulsionar sua produção e seu lucro.

Há ainda a questão da detecção do pólen GM e da identificação precisa do evento contido no mel (ou mais de um). Numa revisão de 2013, Zijevska e seus colaboradores concluem que atualmente os métodos analíticos permitem apenas uma estimativa da quantidade de pólen GM presente no mel. Mesmo com a nova diretriz da U.E., esta limitação impõe enormes dificuldades à rotulagem ou mesmo à classificação do mel.

Esta questão técnica foi tratada também no Guideline on sampling and analysis for the detection of pollen from genetically modified plants in honey - http://www.bvl.bund.de/SharedDocs/Downloads/09_Untersuchungen/Guideline_pollen_honey.pdf?__blob=publicationFile&v=2 . Neste guia do Governo Alemão descreve-se em detalhe como detectar transgenes em mel, mas não há uma avaliação crítica sobre a aplicabilidade dos métodos para o mercado.  O fato é que, se a Europa quiser endurecer na importação de mel estabelecendo valores quantitativos,enfrentará uma dificuldade técnica até agora insuperável e poderá se expor a processos internacionais custosos.



É missão de todo brasileiro, assim como de suas instituições, conservar e preservar os recursos naturais. Mas o país precisa conciliar a preservação com a produção agrícola e a dos demais setores industriais do país, uma vez que todos dependemos da produção de bens e riquezas advindos dos vários setores produtivos. Neste contexto, toda tecnologia que permita um aumento de produção sem aumentar a área cultivada é bem vinda à agricultura, desde que não implique em danos ao ambiente maiores do que aqueles associados à tecnologia anteriormente empregada. Melhor ainda se a tecnologia puder reduzir danos. Este parece ser o caso da variedade de eucalipto em análise, uma vez que concluímos que seus danos ao ambiente podem ser menores do que os ocasionados pelo cultivo da variedade comum (entendendo-se aqui que um aumento de produtividade reduz a demanda para novas áreas agrícolas, o que de fato tem sido a regra no Mundo). Desta fora, a liberação comercial deste eucalipto soma-se aos anseios e esforços dos brasileiros para encontrar o equilíbrio produção/preservação e está de acordo com os requerimentos da Constituição Federal.

No texto acima fica bastante claro que a avaliação de risco de árvores nada tem de diferente da avaliação de risco das culturas anuais: afinal, os elementos de análise e o procedimento são idênticos para qualquer OGM, inclusive para os de origem animal, bacteriana ou fúngica.

Também fica bastante claro da leitura do texto que a ciência governa a avaliação de risco e cada consideração na formulação do contexto, assim como cada rota ao dano, estão profundamente enraizadas na ciência. Embora nenhum perigo relevante (seja porque poderia se concretizar em dano ou porque foi muito mencionado nas redes sociais ou em outros textos e ocasiões) tenha deixado de ser tratado aqui, não há espaço ao final da avaliação para perigos que não possam se concretizar em dano e, portanto, não há espaço para especulações baseadas em generalizações para além do cientificamente plausível.


5. Referência

Baulcombe D, Dunwell J, Jones J, Pickett J, Puigdomenech P (2014) GM Science Update. A report to the Council for Science and Technology (UK). 49 pp. Disponível em https://www.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/292174/cst-14-634a-gm-science-update.pdf
Häggman, H. et al., 2013. Genetically engineered trees for plantation forests: key considerations for environmental risk assessment. Plant Biotechnology Journal, pp.785–798.
Oldroyd BP (2007) - What’s killing American honeybees? PLoS Biology 5: e168

Ratnieks FLW, Carreck NL (2010) - Clarity on honeybee collapse? Science 327: 152–153

Potts SG, Biesmeijer JC, Kremen C, Neumann P, Schweiger O, et al. (2010) - Global pollinator declines: trends, impacts and drivers. Trends in Ecology & Evolution 25: 345–353

Staveley JP, Law SA, Fairbrother A, Menzie CA. (2014) -  A Causal Analysis of Observed Declines in Managed Honey Bees (Apis mellifera). Hum Ecol Risk Assess. Feb;20(2):566-591

Villanueva-Gutiérrez R, Echazarreta-González C, Roubik DW, Moguel-Ordóñez YB (2014) -
Transgenic soybean pollen (Glycine max L.) in honey from the Yucatán peninsula, Mexico.
Sci Rep. 4:4022. doi: 10.1038/srep04022.

Żmijewska E,  Teper D, Linkiewicz A, Sowa S (2013)- Pollen from genetically modified plants in honey – problems with quantification and proper labelling. J. Apic. Sci 57(2): 5-19


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